Diretora do CREFITO-7 exalta a ciência, explica os meandros e vislumbra o futuro de mais reconhecimento
Em comemoração pelo Dia Mundial da Terapia Ocupacional, nós conversamos com a diretora-tesoureira do CREFITO-7, a terapeuta ocupacional Dra. Tereza Baraúna. Com seu inconfundível bom humor, ela já entrou na sala dizendo que está aposentada, sugerindo que não teria mais o que falar. Ledo engano. Os anos em sala de aula formando terapeutas ocupacionais, os atendimentos e a experiência em sindicatos e Conselhos – inclusive como primeira presidente do CREFITO-5, quando morou por 8 anos em Porto Alegre, lhe conferem ampla experiência para representar a profissão nesta entrevista.
“Nunca foi só um trabalho, sempre foi algo para mim, muito prazeroso. pensava: eu me divirto tanto, como é que você cobra de uma coisa que é prazerosa?’ o que quero dizer, é que eu acho, que seria muito bom que as pessoas sentissem o prazer que eu sinto como terapeuta ocupacional. “É o propósito, né? As pessoas estão escolhendo as profissões por motivos, para mim, equivocados. Totalmente. Eu acho que o salário, o emprego, o dinheiro é uma consequência”, reflete Baraúna.
Confira a íntegra da entrevista:
CREFITO-7: 27 de outubro é o Dia Mundial da Terapia Ocupacional. E, nesse momento, esta ciência está em evidência, principalmente com a necessidade de profissionais em todo o país, muito em função do Transtorno do Espectro Autista. A senhora vislumbrava isso quando começou a estudar?
Tereza Baraúna: Eu sempre acreditei no crescimento da profissão, principalmente pelo envelhecimento da sociedade e pela visão que se tem da medicalização, que é uma questão ultrapassada, mas ainda muito forte no Brasil. A medicalização da saúde faz com que tudo se resolva com pílulas, refletindo um imediatismo. Quando você chega com a abordagem da Terapia Ocupacional, procura entender o estilo de vida da pessoa, conhecer as dificuldades e as possibilidades de cada um. Muitas vezes, a pessoa acha que estamos apenas “ocupando o tempo”, que o que fazemos não tem valor. Mas o valor está justamente nesse conhecimento que implica em entender o indivíduo e as disfunções como um todo. Não tratamos a doença, mas buscamos promover a saúde, prevenir e tratar as disfunções.
CREFITO-7: E é fundamental, um pilar básico, diria, mas que precisa ser mais divulgada (a Terapia Ocupacional)…
Tereza Baraúna: Isso. A profissão ainda é muito desconhecida. A Terapia Ocupacional é muito ampla, exige um conhecimento muito abrangente. Não olhamos apenas a questão orgânica; analisamos muito mais a funcionalidade e o contexto em que a pessoa vive. As pessoas não entendem muito e costumam dizer: “Ah! Então é a área da Psicologia! Ah! Então é a área da Fisioterapia!” Temos um conhecimento específico que implica entender um pouco da cultura daquela pessoa, onde ela vive, quem ela é e o que realmente precisa. Estamos em uma sociedade em que as dificuldades se manifestam primeiro pelo fazer, mas essa é geralmente a última coisa que as pessoas procuram tratar.
CREFITO-7: Nos dê um exemplo na prática.
Tereza Baraúna: Vamos pensar em uma pessoa com Parkinson. Ela percebe que está tendo dificuldades, como não conseguir levar o garfo à boca ou abotoar uma roupa, e às vezes congela no meio do caminho. E aí, para onde as pessoas encaminham? Para um tratamento medicamentoso; vai ao médico, que a encaminha para a Fisioterapia. Não que o fisioterapeuta não seja um profissional importante, mas e o fazer diário? O fisioterapeuta vai tratar a coordenação, a liberação de movimentos e assim por diante, mas o paciente com Parkinson vai continuar sem saber o que fazer para desempenhar adequadamente a tarefa; ele vai continuar sem conseguir levar a comida à boca. E aí? O que acontece nessa situação? O paciente e a família acabam contratando logo um cuidador, uma pessoa que dá comida a ele e que o veste. Mas não se pensa que o paciente pode manter sua autonomia, independência e autoestima com uma abordagem especifica direcionada a tarefa. Quando ele vai para a Terapia Ocupacional, normalmente, na maioria das vezes, já está em um caso crônico, grave, com poucas possibilidades de explorar a funcionalidade deste sujeito. O que podemos fazer, então, é muito mais uma adaptação de ambiente, como adaptar uma cadeira ou o espaço do banho, do que propriamente ajudá-lo a aprender e manter suas habilidades funcionais.
CREFITO-7: E isso pode ficar pior se, de repente, o profissional, o terapeuta ocupacional não for formado com essa atenção. Primando pela qualidade profissional, oferecida no curso presencial das faculdades públicas, por exemplo.
Tereza Baraúna: A graduação para atuação em Saúde não pode ser EAD (Ensino à Distância). A saúde, ela é presencial.
CREFITO-7: Então, como é que a senhora enxerga esse “boom” de ofertas de cursos e, posteriormente, a formação desses profissionais? Isso vai ser, de alguma forma, colocado em xeque em algum momento?
Tereza Baraúna: O curso de Terapia Ocupacional sempre foi um curso que tinha poucos alunos em sala. Todos os cursos, no máximo, 40 vagas; 30 vagas era o ideal. É tudo muito individualizado e personalizado. Tem muitas oficinas para explorar as diferentes possibilidades do fazer. Como você ensina essas habilidades técnicas à distância? A pratica em saúde precisa de uma relação interpessoal. Por exemplo, quando teve a pandemia, conseguimos trabalhar à distância com alguns pacientes, mas esses pacientes já estavam em atendimento conosco antes da pandemia, o que possibilitou o desenvolvimento e aplicação de um plano terapêutico.
CREFITO-7: Explique um pouco melhor para a gente.
Tereza Baraúna: Como falei anteriormente, é fundamental entender o contexto da pessoa. Por exemplo, um idoso pode precisar de companhia, mas sua rede de apoio é complexa; muitos amigos podem ter falecido, e ele pode contar com filhos, vizinhos e profissionais de saúde. Não é responsabilidade exclusiva de um único familiar cuidar dele; a rede pode incluir outros filhos ou amigos que contribuam de diferentes formas, como comprar medicamentos ou ajudar financeiramente com um cuidador. O terapeuta ocupacional deve compreender essa dinâmica e explorar possibilidades com a família. Como fazer isso sem conhecer a família ou o ambiente da pessoa? Adaptar uma casa sem visitá-la é inviável. A prática vai além da teoria; é necessário observar o espaço e entender como a pessoa se movimenta. À distância, essa abordagem é impossível. Como confiar em um TO que não tem essa percepção?
CREFITO-7: Como é que a senhora enxerga a profissão agora, nesse momento de muitas ofertas de emprego, poucos profissionais, um reconhecimento, de fato, ao trabalho do terapeuta ocupacional. Porque as pessoas falam muito: “agora eu vou fazer Terapia Ocupacional, porque está dando dinheiro…”
Tereza Baraúna: Mas isso não é de agora, viu? Quando eu era professora, a primeira pergunta dos alunos era sempre: “Quanto é que eu ganho?” Eles têm a ideia de que as profissões principais são médico, engenheiro… Então, perguntam: “Você sobrevive com isso?” E eu vou te dizer que toda minha sustentação econômica e conquistas pessoais vieram com meu trabalho profissional na Terapia Ocupacional. Quando me formei, havia 494 profissionais no Brasil. E, se você pensar, ainda hoje, a Bahia não tem essa quantidade de profissionais. Por outro lado, temos cada vez mais denúncias de pessoas leigas tentando atuar como terapeutas ocupacionais. O CREFITO-7 está comprometido com a fiscalização para garantir o exercício legal da profissão.
CREFITO-7: Inclusive um falso TO foi encontrado exercendo ilegalmente a profissão no município de João Dourado recentemente.
Tereza Baraúna: Pois é. Muitas pessoas acham que é fácil. Como lidamos com a ocupação humana, pensam que é só ocupar… Mas não se trata apenas de ocupar. A Terapia Ocupacional é sobre a ocupação; vem da ocupação, mas o ato de ocupar é muito mais complexo. Também é uma necessidade básica. O ser humano é um ser ocupacional. Eu estou aqui, me ocupando com você. Preciso ter uma lógica, uma sequência de pensamento. Só vou me comunicar e falar se tiver necessidade de me expressar. Então, a comunicação é uma necessidade básica entre outras necessidades.
CREFITO-7: Explique melhor.
Tereza Baraúna: Eu trabalhava com adultos. Então, as pessoas perguntavam: “O que o adulto quer?” Ele quer trabalhar, dirigir e ter relações sexuais. Essas eram as primeiras coisas que sempre mencionavam. Quanto à questão de dirigir: não se trata apenas de pegar o volante. Isso não garante a independência dele. É preciso escolher um roteiro e dividir a atenção. Existem milhões de habilidades envolvidas. Até o acesso ao carro pode ser complicado. Vejo pessoas que entram e saem carregadas no carro; elas não têm autonomia para dirigir. E quanto à alimentação, dizem que alguém é independente porque pega uma colher e leva à boca. Isso não é ser realmente independente na alimentação. Envolve a escolha do alimento, manipulação de acessórios e aspectos motivacionais, entre outros.
CREFITO-7: E a gente volta para aquele ponto inicial lá. As pessoas, a sociedade ainda carece de conhecimento sobre a importância da Terapia Ocupacional.
Tereza Baraúna: Isso. As pessoas não conhecem. Mas existe, em algum lugar, o entendimento dessa necessidade. Um colega me contou, certa vez, que esteve na UTI e sonhava em tomar um banho. Ele simplesmente desejava passear no jardim do hospital. Quer dizer, toda vez que você está doente, o que você quer fazer? Realizar atividades. Aí você está no hospital e não tem acesso a isso, porque não há terapeuta ocupacional. Aqui em Salvador, por exemplo, eu não conheço nenhum hospital particular que tenha terapeutas ocupacionais em seus quadros.
CREFITO-7: No quadro fixo, a senhora fala?
Tereza Baraúna: Isso. Eu, por exemplo, já fui algumas vezes a um hospital particular, a pedido dele, porque havia um paciente que precisava de orientação e não havia terapeutas ocupacionais no quadro. Por quê? Eu tenho uma teoria. Na verdade, não é uma teoria, é um fato: temos poucos procedimentos que se encaixam dentro do protocolo do hospital particular. Os profissionais contratados prescrevem procedimentos, e cada um deles gera custo e receita para o hospital. Por outro lado, eu, como terapeuta ocupacional, ofereço “só” uma avaliação, e não é reconhecido como procedimento as orientações e treinamento das atividades. Mesmo que a Terapia Ocupacional leve o paciente a ter alta mais rápido ou a proporcionar conforto, isso acaba não sendo interessante para o hospital.
CREFITO-7: E com relação ao futuro, mas eu digo agora, aos novos terapeutas ocupacionais, uma mensagem que a senhora, experiente, professora, vivenciando dentro da rotina da saúde, atendendo paciente, agora já aposentada, aqui no Conselho também, qual é o recado que a senhora deixa para quem está chegando e que encontra esse cenário de reconhecimento, de “boom”, mas de responsabilidade acima de tudo?
Tereza Baraúna: Ser terapeuta ocupacional é sempre uma responsabilidade. É fundamental acreditar na pessoa que estamos cuidando, reconhecendo seu potencial. Devemos focar na qualidade de vida dela e envolver também a família, pois a participação da família é fundamental, não esquecendo que a família também precisa de atenção. É difícil para eles acompanhar os desafios diários enfrentados pelos seus entes queridos. O importante é notar os pequenos ganhos e buscar alternativas, pois o resultado pode ter várias dimensões. Uma vez, supervisionei um atendimento de uma aluna e perguntei a paciente sobre suas expectativas para o tratamento. Ela queria “ficar curada”. Ao aprofundar a conversa, descobrimos que, para aquela senhora, ser curada significava voltar a vender seu geladinho. O objetivo era ser produtiva e não passar dificuldades. Isso nos mostra que o objetivo e expectativas são individuais e relacionadas ao contexto e desejo de cada um.