Durante a semana em que se discutem temas relacionados ao Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, celebrado em 10 de outubro, o CREFITO-7 ressalta a importância da criação da primeira Ouvidoria da Mulher Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional do Sistema COFFITO-CREFITOs, lançada em julho deste ano.
Nesse mesmo mês, o Disque 180, Central de Atendimento à Mulher, registrou 5.777 denúncias de violência contra mulheres na Bahia, um aumento de 27,33% em relação ao mesmo período de 2023. Esses números evidenciam a urgência de disponibilizar uma Ouvidoria para as 18.140 mulheres fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais registradas no CREFITO-7.
Conversamos com as ouvidoras-adjuntas, a terapeuta ocupacional Dra. Sofia Campos e a fisioterapeuta Dra. Isabela Conde, que compartilharam os resultados do primeiro trimestre de funcionamento da Ouvidoria da Mulher do CREFITO-7. Elas destacam que estão de “portas abertas” para acolher e oferecer apoio a todas as profissionais das categorias, prestando suporte em casos de preconceito, assédio ou violência.
Confira a entrevista, na íntegra:
CREFITO-7: Órgãos e empresas, públicas e privadas, estão cada vez mais preocupados com a violência contra a mulher. O CREFITO-7 foi pioneiro ao lançar a Ouvidoria da Mulher no Sistema. Após três meses de funcionamento, como vocês avaliam a atuação da Ouvidoria?
Sofia Campos: Nosso trabalho inicial tem sido intenso, focado na estruturação da Ouvidoria e na implantação de processos. Consideramos este período muito produtivo, com a elaboração de um documento base que guiará as ações da Ouvidoria em relação à legislação e suas atribuições no CREFITO-7.
CREFITO-7: De que forma esse trabalho tem sido desenvolvido?
Sofia Campos: Estamos desenvolvendo estratégias de contato com o público e um planejamento plurianual para a gestão de 2024 a 2028. Além disso, já iniciamos o planejamento de ações específicas em instituições com profissionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, começando em outubro, durante as comemorações do Dia do Fisioterapeuta e do Terapeuta Ocupacional. Também elaboramos um diagnóstico para entender a situação dos profissionais ligados ao CREFITO-7 em relação ao assédio moral, assédio sexual e racismo, através de uma pesquisa para mapear esses aspectos.
Isabela Conde: A Sofia deixou claro o empenho na estruturação da Ouvidoria, com o objetivo de ser um exemplo para outros conselhos. Estamos focados em aumentar o conhecimento sobre assédio moral e sexual, ajudando mulheres terapeutas a reconhecerem situações de violência. Queremos que elas saibam que a Ouvidoria é um espaço de acolhimento e que estamos ao lado delas para facilitar as denúncias, já que muitas não buscam ajuda por falta de informação.
CREFITO-7: E como reforçar essa comunicação?
Isabela Conde: Nosso trabalho visa capacitar todos os profissionais do CREFITO-7 sobre o papel da Ouvidoria, para que possam responder a perguntas e oferecer orientação. Em três meses, tivemos um avanço significativo e, em outubro, iniciaremos ações práticas para o recebimento de denúncias. Acreditamos que a violência tem aumentado e queremos encorajar as mulheres a denunciar, garantindo que saibam a quem recorrer. Estamos comprometidas em apoiá-las nesse processo.
CREFITO-7: E o acolhimento na Ouvidoria, como ele é feito? A profissional procura como? Como ela pode ser acolhida?
Sofia Campos: A proposta de acolhimento da Ouvidoria, inicialmente, é acessada via e-mail, mas também oferecemos a possibilidade de contato pessoal, caso a pessoa prefira. Agendando com as ouvidoras, ela pode comparecer aqui no CREFITO ou, se preferir, marcar um atendimento online. Estamos disponibilizando essa opção também.
CREFITO-7: E como seria essa escuta qualificada na nossa Ouvidoria da Mulher?
Sofia Campos: Nós entendemos essa escuta como algo que está disponível para atender à demanda da pessoa, não apenas no sentido de relatar um fato, mas, principalmente, no sentido de compreender o que aquele fato significa para ela, como isso a impactou e quais são as repercussões em sua vida.
CREFITO-7: Por que as pessoas ainda têm dificuldade em entender o que é assédio? O assédio está ligado a como a pessoa se sente em determinada situação. É importante destacar que, ao se sentir atingida, a pessoa pode, sim, estar sofrendo assédio?
Sofia Campos: Exatamente, exatamente. Isso é algo extremamente importante e, claro, vamos precisar nos qualificar cada vez mais, né? Inclusive, essa é uma proposta do CREFITO-7. Eu, como terapeuta ocupacional, atuo na área de Saúde Mental, então tenho experiência em realizar essa escuta ativa das pessoas. No caso da Isabela, ela também tem uma vivência muito específica. Portanto, essa escuta é primordial para nós. Além de ser um espaço de informação, a Ouvidoria será um local onde a mulher possa se sentir acolhida.
CREFITO-7: Há alguma intenção de abordar essas questões entre os profissionais do sexo masculino inscritos no Conselho?
Sofia Campos: Inicialmente, nossa prioridade são as mulheres. No entanto, entendemos que, em determinado momento, precisaremos expandir isso para os profissionais do sexo masculino inscritos no Conselho, também a título de informação. Existem questões que estão no senso comum e as pessoas não se dão conta de que podem configurar assédio moral, assédio sexual, racismo, né? Vemos isso no dia a dia: piadas e brincadeiras de caráter ofensivo realizadas por várias pessoas. Há uma certa banalização de algumas situações.
CREFITO -7: E acredito que, após esse primeiro momento com as mulheres, os homens também têm responsabilidades e devem se posicionar nessa luta contra a violência.
Sofia Campos: Exatamente. E, como profissional de saúde, ele pode ser vítima de assédio moral e assédio sexual, por exemplo. Inicialmente, estamos priorizando as mulheres porque sabemos que, devido às questões de gênero e discriminação de gênero, essa prioridade é necessária. No entanto, também reconhecemos que assédio moral, assédio sexual e racismo são situações que podem acontecer com qualquer pessoa, e no ambiente de trabalho, todos estão expostos a isso.
Isabela Conde: Nosso objetivo é construir uma base sólida para lidar com a violência, e acredito que o acolhimento é essencial, algo que falta nas políticas públicas. Quando as mulheres se sentem acolhidas e fortalecidas, conseguem continuar o processo, que vai além da denúncia. Muitas desistem devido à falta de estrutura nas unidades de apoio. Sofia e eu queremos acompanhar essas mulheres, não apenas receber denúncias, mas nos aproximar delas. Acredito que isso proporcionará um suporte mais eficaz.
CREFITO-7: E o que entende ser mais difícil nesse contexto?
Isabela Conde: Lidar com o assédio sexual é especialmente delicado e, ao denunciar, a mulher precisa de acolhimento e acompanhamento adequados. Nossa proposta é estar ao lado delas durante todo o processo, garantindo que se sintam fortalecidas até o fim, pois sabemos que a jornada é longa e cheia de desafios. O apoio contínuo é fundamental para que elas tenham coragem de seguir em frente e confiem nas instituições.
CREFITO-7: Ampliando um pouco nosso olhar e trazendo-o para o ambiente externo, me chamou a atenção a fala da juíza do caso de Elisa Samúdio, do goleiro Bruno. Em um documentário recente, a juíza destacou que o foco do processo foi a carreira do atleta, que “perdeu tudo por uma besteira”. Ela apontou que Elisa foi “apagada pelos holofotes da fama do goleiro”. Isso revela como, além da violência sofrida, a mulher é frequentemente retratada como antagonista de sua própria dor?
Sofia Campos: Exatamente. O tema é muito delicado, especialmente em relação ao racismo. Ninguém pode realmente entender a dor do outro, e os impactos na saúde mental muitas vezes ficam silenciados. As políticas de prevenção e promoção da saúde do trabalhador ainda são fracas no setor de saúde, apesar dos dados sobre afastamentos e adoecimentos serem tratados de maneira superficial. Queremos trabalhar com profissionais e instituições para criar ambientes de trabalho mais saudáveis.
CREFITO-7: De que forma pretende trabalhar nas instituições para criar ambientes mais saudáveis?
Sofia Campos: A precarização das relações laborais tem exposto os trabalhadores a mais assédios, especialmente o moral, forçando-os a se conformar para não perderem seus empregos. Muitas vezes, profissionais usam suas férias para consultas médicas em vez de descansarem. A Ouvidoria da Mulher se baseia na Resolução 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que o Brasil assinou e que recomenda o enfrentamento do assédio moral e sexual como uma questão de direitos humanos. Queremos divulgar essa resolução e promover sua implementação em todas as instituições, visando a criação de ambientes de trabalho mais saudáveis.
Isabela Conde: Eu ainda trabalho em campo e vejo a realidade das mulheres nos hospitais, que sofrem simplesmente por serem mulheres. Elas enfrentam dificuldades relacionadas à menstruação e à gravidez, sendo muitas vezes afastadas e olhadas de forma diferente. As condições de trabalho, como a falta de conforto, podem prejudicar a saúde das gestantes, levando a adoecimentos e até a perdas de bebês, por exemplo. Além disso, as coordenações frequentemente preferem contratar homens, o que gera medo nas mulheres de revelarem suas gravidezes. Essas situações de assédio são inaceitáveis, e queremos mostrar que isso não é normal. É fundamental que as instituições reconheçam a lei sobre assédio e informem seus funcionários sobre seus direitos. Desejamos implementar a Ouvidoria nos hospitais para promover mudanças reais, aceitando e respeitando os direitos das mulheres e combatendo a misoginia e o preconceito que ainda persistem.
CREFITO-7: Para encerrar, poderiam deixar uma mensagem para as mulheres fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, não apenas para o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher em 10 de outubro, mas também para o dia 13, que celebra as profissões?
Isabela Conde: É importante que essas mulheres se sintam representadas, pois tanto eu, Isabela Conde, quanto Sofia Campos estamos comprometidas com a proposta que surgiu para apoiá-las. Quero enfatizar que agora elas têm uma porta à qual podem recorrer, e estaremos ao lado delas, enfrentando todo tipo de violência, seja ela sexual ou moral. Estamos juntas nessa luta contra a violência contra a mulher.
Sofia Campos: Eu quero dizer às mulheres, em comemoração ao Dia do Fisioterapeuta e Terapeuta Ocupacional, que este dia pode ser um momento de reflexão sobre quanto já caminhamos até aqui e sobre o quanto ainda podemos avançar. Como profissionais de saúde e do cuidado, devemos estar atentos ao autocuidado. Essa luta não é exclusiva da Ouvidoria da Mulher; pretendemos ser porta-vozes de uma população muito maior. Queremos caminhar junto com essas mulheres. Meu desejo é que elas sintam que estamos todas juntas: todos na mesma página, todos na mesma sintonia, construindo um novo caminho e uma nova realidade que são necessários para todos nós. Essa nova construção tem uma função primordial: pensar em novas possibilidades de vida e novas formas de organizar a sociedade.