No mês que chama atenção para a prevenção ao suicídio, batemos um papo com a vice-presidente do CREFITO-7, a terapeuta ocupacional Dra. Suely Galvão. Experiente no tratamento da saúde mental e mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica a importância em voltar a atenção da sociedade para o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
Ao abordar a importância do tratamento e convidar para uma reflexão coletiva, ressalta: “A crescente complexidade nas relações interpessoais, a violência e o comportamento agressivo nas redes sociais contribuem para o sofrimento mental e uma sociedade “adoecedora”.
Confira a entrevista na íntegra:
CREFITO-7: Como a senhora vê o comportamento das pessoas hoje e o que pensa sobre esse comportamento quando falamos de suicídio?
Suely Galvão: À medida que a sociedade se torna cada vez mais individualizada, as pessoas se sentem mais sozinhas. E mesmo com a presença constante nas redes sociais, que pode contribuir com as relações, também pode ser muito desafiante. Pois sendo um local no qual as pessoas sentem “liberdade” para expressar o que querem, o que ocorre é que as pessoas colocam, muitas vezes, seus posicionamentos, em forma de julgamento e com agressividade. Isso tem sido muito maléfico, principalmente com pessoas que estão em um momento de vida mais sensível, coisas deste tipo pode desencadear ações extremas.
CREFITO-7: Como isso acontece?
Suely Galvão: A grande maioria das pessoas, dependendo do que acontece, passa por alguns momentos de fragilidade e sofrimento em suas vidas. E elas (as pessoas) vão tentando lidar com as questões que se apresentam, e nisso pode acontecer de uma ideação suicida se fazer presente. De um modo geral, neste momento, se sente mais fragilizadas, e este é o momento de ter mais cuidado. Os profissionais da saúde mental são essenciais, dentre estes, o terapeuta ocupacional. A terapeuta ocupacional, pode, em um acompanhamento, trabalhar com as questões trazidas, e junto com o indivíduo, construir um projeto terapêutico singular (PTS), no qual as questões cotidianas e os projetos de vida atuam como norteadores e dentro no manejo clínico, venha a colaborar para que o indivíduo possa se sentir mais fortalecido para lidar com essas pressões da vida.
CREFITO-7: Na prática, como é o trabalho da TO com esses pacientes?
Suely Galvão: O Terapeuta Ocupacional atua tanto individualmente quanto em grupo, e os primeiros atendimentos têm a função de avaliação e conhecimento da pessoa. Com as informações vamos construindo um diagnóstico ocupacional (que não se limita a questões de trabalho), que irá fundamentar o PTS. O processo envolve compreender o indivíduo, seus interesses e atividades, dentre outras questões. Existem diversas estratégias e possibilidades de intervenções que podem ser utilizados conforme as necessidades específicas de cada indivíduo. O terapeuta ocupacional pode atender o indivíduo no CAPS, no seu consultório, clínicas, como também nos espaços públicos, estes com objetivo de acompanhar nas atividades instrumentais da vida diária, como por ex: ir no mercado, museu, etc.
CREFITO-7: Diga para a gente um exemplo com relação a ideação suicida. Como isso pode acontecer? Como pode chegar a este ponto?
Suely Galvão: A nossa mente é muito complexa, e cada pessoa, a partir da suas experiências, vai se constituindo enquanto sujeito. A percepção de como viver a vida e o sentido ou não sentido, são singulares e é a partir de sua experiência, afetos, valores, rede de amizades e apoio, que podem ser constituídos. Quando a ideação suicida se apresenta, se coloca como uma questão muito dura, e pode ser que as estratégias que o sujeito tem para lidar com as pressões, não estão dando conta, e o sofrimento pode ficar insuportável. Por isso, é importante uma rede de apoio e acompanhamento profissional.
CREFITO-7: E como acontece o tratamento?
Suely Galvão: Na Terapia Ocupacional todo o acompanhamento é realizado em colaboração com o indivíduo, com base em suas crenças e pensamentos. O objetivo é que cada um encontre o melhor formato de organização da sua vida, de maneira que suas ideias, objetivos e projetos possam se concretizar. Esse processo envolve não apenas a realização de atividades específicas, mas também a consideração das relações interpessoais. Participar de atividades sociais e interagir com outras pessoas são aspectos importantes para alcançar seus objetivos e promover uma vida mais satisfatória.
CREFITO-7: Existe um prazo para esse tratamento?
Suely Galvão: O prazo não é definido de forma cronológica, mas sim de acordo com as necessidades individuais de cada pessoa. Embora alguns lugares estabeleçam prazos específicos, é fundamental adaptar o acompanhamento ao ritmo de cada indivíduo. Acompanhamos a pessoa dentro do tempo que ela realmente necessita para seu desenvolvimento e progresso.
CREFITO-7: Então o paciente pode ter alta?
Suely Galvão: Sim, pode e deve haver alta. No entanto, na área da saúde mental, frequentemente discutimos o conceito de alta e como ela é concedida. É importante entender que a alta não significa, necessariamente, que a pessoa está completamente curada, pois como disse Nise da Silveira, “Gente curada demais é gente chata”.
CREFITO-7: Fazendo uma analogia, trazendo para o público maior: Preta Gil disse que estava curada do câncer, celebrou o carnaval lá em fevereiro. O câncer voltou agora, teve uma remissão. Obviamente, guardada as devidas proporções, podemos comparar com essa alta do tratamento mental?
Suely Galvão: Exatamente. No caso de doenças como o câncer, há formas bem definidas de considerar a cura. Em algumas doenças físicas, a sensação de estar curado pode ser mais clara. No entanto, na saúde mental, a questão da cura é complexa e bastante debatida. O foco, geralmente, está em ensinar as pessoas a lidar com seus problemas, que são inevitáveis na vida de todos. O objetivo é fortalecer as pessoas para que saibam como enfrentar esses desafios. Quando a pessoa está mais preparada para lidar com suas questões e já demonstrou progresso significativo, pode ser o momento adequado para encerrar o acompanhamento. Assim, a alta é concedida, mas isso não implica necessariamente uma cura completa.
CREFITO-7: E a terapeuta ocupacional Suely, como enxerga o movimento do setembro amarelo?
Suely Galvão: Existem algumas pesquisas que demonstraram que a divulgação na mídia sobre suicídio, aumentam os casos. No entanto, sabe-se também que não se pode ignorar o tema. O que alguns teóricos colocam em relação a isto é que ser deve chamar atenção para as histórias de resiliência e superação. A iniciativa do Setembro Amarelo é um exemplo de como chamar a atenção para esse assunto, embora a conscientização não deva se limitar a um único mês. A ideia é não apenas focar no problema do suicídio, mas principalmente nas alternativas de apoio e tratamento adequado. O objetivo é oferecer recursos e lugares onde elas possam buscar ajuda e suporte.
CREFITO-7: Qual lugar seria ideal para o tratamento?
Suely Galvão: Nos serviços públicos temos, por exemplo, o CIAVE/ SESAB, um serviço específico para esta questão que é extremamente importante e conta com profissionais capacitados, inclusive terapeutas ocupacionais. No entanto, é fundamental que possamos expandir na rede SUS, atendimento para esta clientela, aumentando a disponibilidade de profissionais e serviços para melhor apoiar e cuidar dessas pessoas.
CREFITO-7: Qual a mensagem que a terapeuta ocupacional Suely deixa?
Suely Galvão: Como sociedade, precisamos refletir sobre o que realmente queremos como humanidade e construção para o futuro. A crescente complexidade nas relações interpessoais, a violência e o comportamento agressivo nas redes sociais contribuem para o sofrimento mental e uma sociedade “adoecedora”. Esse contexto pode afetar negativamente todos nós. É crucial que abordemos essas questões e busquemos soluções para promover um ambiente mais saudável e solidário.
CREFITO-7: E o que a sociedade pode fazer para mudar esse cenário?
Suely Galvão: As pessoas poderiam ser mais humanas, saber que cada um de nós é uma parte dentro de um todo, no qual somos todos responsáveis pela comunidade que vivemos. A questão dos diversos tipos de violência favorece o sofrimento mental, por isso esta questão deve ser debatida e daí verdadeiramente construída possibilidades diversas de enfrentamento e a criação de uma cultura de respeito e paz.
Outra questão é a criação de espaços coletivos como praças, parques, ruas sem carros, outros formatos que favoreçam a participação e encontro, convivência, onde as pessoas possam conversar e interagir pessoalmente na cidade. E precisamos pensar em estratégias que tire, principalmente as crianças das telas de celulares/IPAD, na maior parte do tempo para que a interação seja mais diretamente. Na verdade, o problema não é o celular em si, mas o uso que fazemos dele. É uma situação semelhante ao uso de drogas: o problema não está na substância, mas na relação que se estabelece com a droga. O mesmo se aplica à dependência de dispositivos digitais. A comunicação face a face oferece uma experiência muito diferente daquela em que estamos protegidos pela distância e pelo anonimato online.